Tributos, esse é o tema que desde a antiguidade causa ascensões e quedas, revoluções e o nascimento de nações. A história nos mostra quão sensível é a questão para o equilíbrio das partes em uma sociedade e, desse modo, o quanto uma política fiscal pode ser definidora dos rumos de um governo e de um país. Maquiavel ( ) já aconselhava o príncipe a não aumentar imposto, pois isso poderia colocar em risco a confiança de seus apoiadores e, em última instância, o poder. Em sua origem, a palavra “tributo” deriva do termo latino tributum, o qual se referia à parte da produção e de bens que artesãos, camponeses e comerciantes da tribo tinham que dar ao tribuno, uma espécie de magistrado da tribo, em forma de taxas e impostos.
Essa lógica de pagamento tem seu primeiro testemunho em escritos de peças de barro da Mesopotâmia (400 A.C), os quais descreviam o dever dos súditos em dar parte dos alimentos produzidos ao governo. No Egito, os faraós saíam em excursão pelas terras do reino para cobrar impostos. Um dos desafios de uma economia de troca, como era a egípcia até o Período Persa (525 A.C), era justamente mensurar a produção agrícola e garantir a arrecadação. Já os gregos não enchiam os cofres das cidades com a imposição da tributação. As contribuições eram voluntárias (epidoseis, leiturgiai) e tendiam a crescer em períodos de guerra (eisphora), também eram cobradas alíquotas de 2% ad valorem sobre importações e exportações sob a forma de direitos portuários (ellimenion).
No período medieval, os servos eram obrigados a entregar parte da produção do seu trabalho ao senhor e, na modernidade, com o advento do mercantilismo e das grandes navegações, a imposição do pagamento de tributos sobre todo tipo de atividade e produto começou a se generalizar. A diversificação da economia a partir do século XV e o aumento e sistematização da burocracia deram à cobrança contornos igualmente sistemáticos. Após a revolução industrial, a complexidade da sociedade, da economia e da política colocou o tema dos tributos no centro da disputa pelo poder, dadas as aspirações da burguesia e da sua concepção liberal de Estado, segundo a qual a interferência do Estado deveria se limitar à garantia das liberdade individuais, de comerciar e à propriedade privada. Já no século XX do pós-guerra, o Estado de bem-estar social orientou a questão segundo outro prisma e o imposto ganhou outras destinações que não apenas a manutenção do funcionamento da máquina burocrática estatal e das ambições militares. Os impostos deveriam se tornar a principal fonte para que o Estado cumprisse aquele que agora se tornava um dever: garantir os direitos sociais.
Mas, sempre e hoje não menos, devemos perguntar: qual o melhor destino para o dinheiro arrecadado e qual seria a taxação justa? Essas são perguntas que cabe a cada sociedade responder segundo a sua realidade. Não se pode padronizar um modelo de tributação. Para refletir melhor sobre o assunto, deve-se levar em conta cada contexto, o que significa voltar o olhar para a sociedade, para a economia, para as questões sociais, para a cultura política entre outros pontos que nos ajudam a entender e a fazer alguma consideração com um pouco mais de profundidade sobre o tema. No caso brasileiro, os tributos ajudam a garantir a universalidade de direitos como o direito à saúde e à educação, com a manutenção do Sistema Único de Saúde – SUS, de creches, escolas e universidades públicas – direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988 que estão entre os direitos fundamentais por garantirem a cidadania e a dignidade humana e com isso o equilíbrio do tecido social.
Em um contexto de crise econômica, o debate sobre a destinação dos impostos se mostra ainda mais relevante e a sociedade deve estar constantemente vigilante sobre as políticas fiscais e narrativas que se apresentam. É comum em momentos de crise a proposta de redução de gastos do governo para desonerar o Estado, mas raramente essa mesma proposta se cumpre acompanhada da redução de tributos. O contribuinte vê os serviços públicos serem reduzidos ao mesmo tempo em que a tributação aumenta. As promessas de um Estado mínimo, nesse sentido, não podem se realizar. Sabe-se desde o crash de 24 de outubro de 1929, conhecido como “quinta-feira negra”, que o governo é o investidor que leva um país ao desenvolvimento econômico e que no Brasil o crédito aos grandes empresários advém de bancos públicos. Não cabe ver apenas a tributação como um castigo a ser cumprido. É preciso considerar os ganhos coletivos em vista de supostas perdas particulares e ponderar sobre quem são os atores que nesse campo de batalha realmente ganham e perdem com a taxação e seu percentual. Uma vez que a humanidade parece não conseguir se livrar deles, vale a abertura do olhar e se perguntar: impostos, a quem será que se destina? Sobre isso, a sociedade por meio da escolha de um governo e de sua política econômica e fiscal pode escolher.
Por Sheila Paulino e Silva, bacharel, mestre e doutora em Filosofia pela USP, pós-doutoranda em Filosofia Antiga, pela UFSCAR. Internacionalista.
Por Deborah Akemi Terrin, advogada tributarista. Bacharel em Filosofia pela USP. Master em Tributação e Inteligência de Negócios pelo IBPT Educação.